Esta é a segunda parte do post sobre como criar uma estratégia para uma empresa de software adotar o modelo SaaS. A estratégia tem que ser bem pensada, pois se algo der errado, a empresa poderá perder sua janela de oportunidade.
Bom, os principais passos que um empresário de software deve pensar ao iniciar sua jornada são:
Rever e refinar os planos de negócio. É importante rever e refinar continuamente os planos de negócio voltados ao SaaS, incorporando neles as experiências obtidas com a prática. Esta estratégia deve definir se será desenvolvida uma nova solução, a partir do zero, ou se o sistema atual será apenas modernizado. Além disso, a estratégia deve definir se a oferta SaaS será disponibilizada via data center próprio ou de terceiros e neste caso, qual será o parceiro a ser escolhido? A experiência do usuário será a somatória da qualidade do aplicativo + disponibilidade da nuvem ofertada, seja ela própria ou de terceiros. A estratégia deve definir também a velocidade com que a empresa vai adotar e disseminar o modelo SaaS. O time to market é uma variável fundamental. Entrar cedo demais acarreta o risco do pioneirismo, mas uma entrada muito tardia poderá significar perda do market share e do próprio novo mercado criado pelo SaaS. A leitura do livro de Marc Benioff, fundador e CEO da salesforce.com, citado no post anterior ajuda a desenvolver esta estratégia.
Envolver a comunidade de clientes. Muitas empresas de software não criam maiores envolvimentos com seus clientes, concentrando-se mais nos aspectos transacionais dos negócios. O modelo de serviços exige uma nova postura e o relacionamento com clientes é uma variável de extrema importância para a sustentabilidade do negócio. Para muitas empresas de software é um processo novo e ainda desconhecido. A ciência de venda de serviços é diferente da venda de produtos. A própria força de vendas deve estar mais afinada com as questões do negócio e não com tecnologia. Se o aplicativo estiver em uma nuvem, sendo ofertado em SaaS que discussão técnica será necessária?
Criar rede de serviços. O suporte ao cliente e os serviços em torno vão se tornar muito mais importantes que hoje. No modelo on-premise ganha-se pela venda da licença e pelos contratos anuais de manutenção. Em SaaS ganha-se por assinatura ou variações do modelo, como por exemplo, ofertando descontos para que o cliente faça assinatura anual pagando este serviço adiantadamente. Esta é uma maneira bem interessante de remunerar seus vendedores, sem afetar o fluxo de caixa, pois pagar a comissão na assinatura do contrato e receber mês a mês gera um buraco nas contas.
Desenhar estratégia de marketing e vendas apropriada. As propostas de valor embutidas nas campanhas de marketing e vendas, criadas para o modelo tradicional, provavelmente deverão ser refeitas. Por outro lado é importante atentar para o risco de canibalização dos clientes do modelo on-premise que optem pelo novo modelo. A estratégia de marketing deve, ao mesmo tempo, criar um road map de transição dos clientes atuais para SaaS bem como alavancar novas vendas para mercados antes inatingíveis pela oferta atual. Outra variável importante é que a própria Web torna-se um canal de vendas bem mais abrangente, pois muitas vezes o cliente pode adquirir o serviço sem contato face to face. O redesenho do site e uma participação mais ativa em redes sociais devem fazer parte da estratégia de marketing e vendas. Provavelmente, analisando a estratégia de vendas pelo conceito da cauda longa, as maiores contas terão contato direto com a força de vendas ou parceiros e a maioria dos clientes, que fazem a cauda ser longa, adquirirão o serviço via Web.
Criar e/ou participar de um ecossistema saudável. O modelo SaaS embute dentro de si uma rede de parceiros, que envolve desde a hospedagem dos aplicativos à associação com algum provedor de plataforma. Dificilmente alguma empresa de software ou ISV (independent sofware vendor), à exceção dos maiores companhias, terá condições de criar um forte marketplace e ser um “one-stop shopping”. Se não for o caso, o ISV deverá estar associado a algum ecossistema abrangente, que lhe permita crescer no mercado. Além disso, deverá incentivar e fortalecer uma comunidade de desenvolvedores, inclusive open source, que ampliem as funcionalidades de seus produtos. Um exemplo bem sucedido é o AppExchange do salesforce, que implementa uma plataforma onde empresas de software criam e disponibilizam para o mercado seus aplicativos. Na verdade, este projeto do salesforce (force.com) é criar uma platforma que permita que outras empresas (ecossistema) desenvolvam novas soluções complementares e amplie mais ainda as funcionalidade do serviço. Para isso, é importante desenhar o aplicativo como uma plataforma com APIs abertas e o modelo mais adequado para isso acontecer é SOA. Lembram-se do SOA? Pois é, em SaaS ele tem um papel muito importante.
Escolher a tecnologia mais adequada para criar um ambiente multi-tenancy. Embora seja possivel oferecer SaaS sem multi-tenancy baseado apenas em virtualização, é preferivel, na maioria dos casos, adotar um modelo multi-tenancy, devido aos ganhos de escala operacionais que este modelo proporciona. Os custos operacionais para manter SaaS baseado apenas em virtualização, ou seja, multiplas instâncias, são sempre mais altos que manter uma única instância. Soluções baseadas em virtualização geram um desafio e tanto quando for necessário fazer o roll out de uma nova versão para cada instância a ser customizada para seus clientes. Por outro lado, multi-tenancy apresenta duas vantagens importantes: economias de escala e menor custo de manutenção. Mas, é necessário analisar o custo de reescrever a aplicação para operar em multi-tenancy e colocar esta variável nos estudos de ROI. Uma alternativa é começar no mercado SaaS via virtualização, para não perder a janela de oportunidade e ao longo do tempo reescrever a nova versão multi-tenancy. No livro do Marc Benioff esta questão é bem discutida e eles optaram pela modelo multi-tenancy. Mas, é bom lembrar que o salesforce entrou direto em multi-tenancy simplesmente porque não havia versão anterior para ser mantida.
Definitivamente que em alguns anos a indústria de software deverá ter uma “cara” vem diferente da atual e as empresas de venda de produtos de software, lucrativas hoje, provavelmente estarão ganhando dinheiro com outros modelos de negócio, mais focados em serviços de consultoria e integração, ou simplesmente estarão fora do jogo.
Na minha opinião, a problemática técnica do modelo SaaS está bem compreendida, mas as mudanças nos aspectos operacionais, organizacionais e culturais são bem mais complexos e ainda pouco estudados e compreendidos. Um dos grandes grandes desafios, por exemplo, é substituir a cultura comercial do modelo tradicional que enfatiza o processo de vendas a curto prazo pelo modelo de excelência em serviços. Muitas empresas incentivam e pressionam seu pessoal de vendas a alcançar metas a curto ou curtissimo prazo, a qualquer custo, sem muitas preocupações com o “day after”. Os executivos de vendas de sucesso destas empresas também conseguiram seu espaço com este modelo, que lhes é natural. Mas, no modelo de excelência de serviços, a conversa é outra e implica em um mudança cultural e organizacional muito grande.
Além disso, SaaS deve ser encarada como estratégia empresarial e não como uma simples oportunidade de negócios a ser explorada. Abre espaço para a empresa ofertar seus serviços globalmente, não ficando mais restrita a um mercado regional.
SaaS ainda é um modelo que estamos aprendendo. Ser flexível é importante. Ou seja, mude de rota quando necessário, pois não existem ainda muitos casos de sucesso que nos permitam trilhar a jornada em direção ao SaaS com toda a segurança. Erros e acertos farão parte do nosso dia a dia por muito tempo ainda.